Resenha: O Mito da Neutralidade Religiosa: Um ensaio sobre a crença religiosa e seu papel oculto no pensamento teórico. – Roy A. Clouser
- comunicacao299
- há 6 dias
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A percepção de que a crença religiosa foi, ao menos em grande parte, destituída de seu papel público é incontestável. Dessarte, alguns motes como “fé e ciência não se misturam”, “A religião pertence a realidade privada do indivíduo e deve ser mantida lá” e “a ciência é fruto de um pensamento rigoroso enquanto a crença religiosa reflete uma ingenuidade intelectual” são repetidos com frequência. Claro, essa destituição do papel público da fé não é um fenômeno novo, ela é uma faceta do famoso processo de secularização. Seja por um anticientificismo religioso ou por conta de um senso de autonomia científica conquistado pelos avanços da ciência moderna, a antítese entre fé e ciência vem se tornando cada vez mais forte. É esse o contexto por traz da obra de Roy A. Clouser. Enquanto as ciências se proclamam como independentes de pensamentos religiosos, Clouser identifica uma raiz religiosa inata ao Ser Humano, agente do fazer científico, e, consequentemente, inata a própria ciência. Aqui, aponto, nas palavras do autor, o propósito deste livro:
argumentarei que uma ou outra crença religiosa sempre funciona como uma pressuposição reguladora para qualquer teoria abstrata, e que isso é inevitável, não somente em razão da presença histórico-social de tais crenças em nossa cultura, mas porque isso se dá a partir do próprio processo de produção teórica. (p.14)
Esta obra é dividida em quatro partes, sendo que as duas primeiras se dedicam a fundamentação, articulação e relação dos conceitos “Religião” e “Teoria”, a terceira se dedica a estudos de caso em algumas teorias científicas e, por fim, a quarta parte desenvolve uma teoria não reducionista de realidade. Clouser se empenha em uma escrita técnica, exaustiva e de caráter teórico, todavia, seu livro se mostra proveitoso mesmo para aqueles não acostumados a literatura acadêmica. Embora esse texto seja fruto de uma tese de doutorado, o empenho para torná-lo inteligível para aqueles que não se dedicam a vida acadêmica é evidente. Assim, todos os conceitos importantes para o argumento desenvolvido são claramente apresentados e articulados.
Focando na fundamentação teórica, que abrange as primeiras 191 páginas do livro, o autor a inicia desenvolvendo a ideia de religião como a crença em um absoluto, sendo esta inata a todo ser humano. Essa delimitação é essencial para que encontremos o devido lugar da fé no processo teórico. Por um lado, postulando um conceito mais restrito, poderíamos indicar que a religião se refere a uma atividade consciente de culto ou adesão a uma filosofia ou prática litúrgica específica. Se esse fosse o caso, a relação entre religião e ciência seria facilmente refutada, afinal, é evidente que existem teóricos que não se comprometem conscientemente a um culto, filosofia ou liturgia específica. Por outro lado, postulando um conceito mais abrangente, poderíamos indicar que a religião se refere ao exercício da fé, no caso, toda a crença humana. Sendo assim, a relação entre a religião e a ciência seria tão evidente que esse livro se tornaria desnecessário, pois todo pensamento científico tem como fundamento axiomas que não podem ser comprados. Todavia, nas palavras do autor, “todos na filosofia e nas ciências sabem que as teorias têm suposições não comprovadas, mas uma crença não é religiosa apenas porque ela não é comprovável” (p. 12).
De fato, a definição da religião como crença em um absoluto nos permite preservar seu conceito como uma relação com o divino ao mesmo tempo que não nos limita à religião como prática cultural. Aqui, você pode se perguntar sobre o porquê da crença em um absoluto se relacionar com a ideia de divindade. A questão é que, filosoficamente, a divindade diz respeito a algo incondicionado, um ser cuja existência e ação independem (não se condicionam) de outro, pelo contrário, sustenta e condiciona todos os outros seres. De fato, absoluto e incondicionado são tidos em paralelo.
Uma vez que o uso do termo religião é definido, Clouser aponta como toda teoria científica depende, como condição de possibilidade, da crença em um absoluto. Após uma justificativa teórica, ele se empenha em demostrar como crenças em absolutos distintos influenciam teorias distintas na matemática, na física e na psicologia. Por fim, finaliza seu livro seguindo o caminho contrário, partindo da crença cristã para a construção de teorias científicas.
Curioso do porquê dessa dependência? Deixo aqui um convite para a leitura! Concluindo com as palavras do autor:
Este livro é endereçado àqueles que creem em Deus. Eu escrevo aqui como um cristão buscando persuadir meus irmãos e irmãs na família religiosa que servem ao Deus de Abraão, Isaque e Jacó, de que nossa crença em um Criador transcendente ordena uma perspectiva distinta apara a interpretação de cada aspecto da vida. (p.16).
Rev. João Antônio Borghi Meireles Guimarães
Professor da FATIPI
Presbitério Bandeirantes

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