Da mente exausta para mente de Cristo
Valdinei Ferreira
Mentes exaustas são o retrato do que vivemos em nossos dias. A exaustão é democrática do ponto de vista geracional, uma vez que afeta a mente experiente dos idosos, a mente curiosa dos ado lescentes, a mente inquieta dos jovens e a mente preocupada dos adultos. A exaustão também é democrática do ponto vista ideológico, pois pessoas de direita, de esquerda e de centro sentem-se exaustas. Crentes ou descrentes não estão isentos da exaustão, uma vez que crentes e ateus estão entre os exaustos dos nossos dias.
Então, a primeira coisa que precisamos saber é que a exaustão não tem a ver com características de personalidade ou com ideologia ou religiosidade. A exaustão é fruto do tempo histórico no qual vivemos. Ela é um dos males do século que vivemos. Adiante trataremos mais sobre a relação entre a exaustão e as mudanças históricas, porém, antes, deixe-me precisar melhor o que estou chamando de exaustão: é um estado de travamento - você não consegue avançar, mas também não consegue parar e se desligar dos pensamentos. É uma agitação que faz sua atenção ficar pulando de uma coisa para outra sem conseguir ter satisfação ou se aprofundar em nada. Você não consegue parar, mas vai sendo engolido por uma sensação avassaladora de que, embora não consiga parar, não está indo a lugar algum. Voltaremos a esse assunto, mas neste momento é importante reter a ideia da exaustão como estado de travamento.
Se a exaustão é uma das marcas do tempo que vivemos, como é que chegamos nessa situação? As raízes da exaustão podem ser encontradas na aceleração propiciada pela Revolução Industrial. As nossas relações com o tempo e com o espaço passaram por uma reconfiguração com o surgimento das máquinas e seu incessante aperfeiçoamento, após o advento da Revolução Industrial. Nas últimas décadas do século passado, com o desenvolvimento da internet, a aceleração alcançou um nível que seria inimaginável para os nossos antepassados. Tudo indica que a aceleração seguirá cada vez mais intensa com a chegada da chamada internet das coisas, possível pela tecnologia 5G.
O tempo biológico é diferente do tempo das máquinas. Muitas vezes esquecemos que ainda somos seres biológicos, por tanto, precisamos comer, descansar e dormir. Máquinas podem ser aceleradas e trabalhar de modo ininterrupto. Quando a má quina quebra, é consertada ou substituída. Pequenas mudanças culturais lembram como tentamos funcionar no ritmo cada vez mais acelerado das máquinas. Recentemente foi celebrado o lançamento pelo aplicativo WhatsApp do recurso de aceleração de áudio. Não temos tempo e energia suficientes para lidar com a quantidade de informações que nos chegam, então, adaptamos nosso ritmo ao das máquinas. A raiz da exaustão mental de nosso tempo está na aceleração da vida.
A aceleração trazida pela avalanche informacional do nosso tempo não é algo apenas externo, mas seus efeitos são sentidos internamente na forma da aceleração de nossos pensamentos. É justamente aí que mora o perigo, uma vez que pensar é uma ferramenta importante para os seres humanos; porém, pensar de modo acelerado e descontrolado gera o que estou chamando de intoxicação pensamentosa. Trata-se, obviamente, de neologismo inspirado na conhecida intoxicação medicamentosa. A intoxicação pensamentosa é a superdosagem de pensamentos e pode ser dividida nas seguintes categorias:
Intoxicação pensamentosa pelo excesso de redes sociais: copia e cola, encaminha, curte, reage com comentários etc. Vive-se com a sensação de conexão permanente, de estar atento ao assunto do momento, ter que opinar sobre tudo e sobre todos - "posicionar-se sobre o assunto" - como se diz popularmente. O tempo de dar clique ou rolar a tela não é o mesmo da reflexão, da ponderação e do discerni mento espiritual. Queremos acelerar o tempo da reflexão como se fosse possível fazer download das ideias e reações. O que isso tem a ver com a exaustão? Não é difícil enten der - assim como os smartphones depois de algum tempo começam a travar, nossa mente vai travando e o estado de
exaustão se instala.
Intoxicação pensamentosa pelo excesso de preocupação com o passado: "E se eu tivesse feito isso e não aquilo..."; ou por ansiedade em relação ao futuro: "E
se acontecer .isso...".
Eu não quero que você fique com a impressão de que a única causa da exaustão é a avalanche informacional e seu consumo descontrolado. Sem dúvida alguma, a exaustão está presente prin cipalmente no mundo do trabalho, que cada vez mais é mediado pelo fluxo acelerado de dados. As fontes tradicionais de exaustão no mundo do trabalho continuam presentes, a saber: a meta que precisa ser alcançada, a concorrência permanente, a instabilidade crônica nos campos da economia e da política. Ainda no que se refere ao trabalho, a natureza democrática da exaustão alcança do executivo ao motorista de aplicativo. Mais do que isso, não pense mos que só fica exausto quem trabalha fora de casa. O terapeuta Alexandre Coimbra Amaral lembra com justiça que, no topo do ranking das pessoas exaustas, estão as mães, mulheres que fazem a jornada dupla - trabalham fora de casa e cuidam da casa e dos filhos-, e conclui: "O cuidado ao outro sem o cuidado de si é par te das doenças desse tempo, um vírus muito transmissível porque traz em si a máscara na nobreza" (AMARAL, 2021).
Você já se perguntou quem são esses que cuidam dos outros a ponto de deixar de cuidar de si mesmos? São as mulheres que se sacrificam para cuidar de todos na casa; são os profissionais da saúde, principalmente no tempo de uma pandemia como a da Covid; são os professores, mergulhados em rotinas estressantes e sem a valorização social; são os militantes sociais que lutam em favor da população mais pobre e os líderes religiosos, sempre disponíveis ao contato e permanentemente submetidos à avaliação da sua performance. Nesses casos, é comum acelerar até o limite da exaustão e detonar a vida profissional e privada. Os efeitos da exaustão são: emoções à flor da pele, irritabilidade, dificuldade de concentração, esquecimento, insônia, perda da empatia, solidão, consumo de drogas lícitas e ilícitas, dentre outros.
Essa é nossa primeira aproximação sobre o tema da mente exausta e a intoxicação pensamentosa. Continuaremos escavando o terreno nos capítulos que se seguirão, entretanto, com o que foi dito até aqui, já é possível perceber a importância do tema para vida na atualidade.
"NÓS, PORÉM, TEMOS A MENTE DE CRISTO"
A frase acima é de autoria do apóstolo Paulo e encontra-se na Primeira Carta aos Coríntios, capítulo 2, versículo 16. Que significa ter a mente de Cristo na era dos algoritmos? O que após tolo queria dizer quando escreveu num pergaminho: "Nós, porém, temos a mente de Cristo". Esse versículo, lido na tela de um smartphone, permanece tendo o mesmo significado?
Quando examinamos o tema da mente humana, é sempre importante que se faça a distinção entre cérebro e mente. Sabemos que a mente é central para a experiência humana sob o ponto de vista da identidade e da sobrevivência. O cérebro é a rede material feita de neurônios, sinapses e substâncias bioquímicas. A mente é um fluxo de experiências subjetivas, tais como o sofrimento, o prazer, a raiva e o amor. Permanece o mistério sobre como a mente emerge da base material de pouco mais de um quilo que chamamos de cérebro.
Escrevendo aos Coríntios, no capítulo citado, o apóstolo Paulo ressalta que não recebemos o espírito do mundo, mas o Espírito de Deus. Uma das tarefas do Espírito Santo é ajudar a penetrar nas profundezas do nosso ser, da nossa mente, dando-nos discernimento espiritual das causas da nossa exaustão.
Jesus Cristo veio ao mundo para nos trazer vida abundante, e não uma vida de travamento e exaustão. A intoxicação pensa mentosa é um estado de desconformidade com o estilo de vida trazido por Jesus. Em Cristo estão os tesouros da sabedoria e do conhecimento (Colossenses 2:3), sabedoria e conhecimento para experimentar a vida abundante, discernindo o que deve ser abraça do e o que deve ser deixado de lado. Nesse sentido, "ter a mente de Cristo" é deixar-se moldar profundamente pelo Espírito Santo em meio às realidades desafiadoras que vivemos. Não há um conjunto de regrinhas, mas existem princípios que cada pessoa deve adaptar à sua realidade. Compartilharei com você, nos capítulos que se seguem, alguns desses princípios e como você poderá aplicá-los à sua vida para fazer a passagem da mente exausta para a mente de Cristo. Os princípios são os seguintes: o princípio da presença e a mente de Cristo; o princípio da aceitação e a mente de Cristo; o princípio da gratidão e a mente de Cristo.
O apóstolo Paulo escreveu, inspirado pelo profeta Isaías: "Nem olhos viram, nem ouvidos ouviram, nem jamais pene trou em coração humano o que Deus tem preparado para aqueles que o amam".
Muitas vezes, a passagem acima é citada em funerais para falar a respeito das belezas do Céu. Entretanto, quando lemos com cuidado a passagem e seu contexto na primeira carta aos Coríntios, percebemos que em jogo está o contraste entre a sabedoria dos poderosos deste mundo e a sabedoria encontrada em Jesus Cristo. Logo após dizer "nem olhos viram, nem ouvidos ouviram, nem jamais penetrou em coração humano o que Deus tem preparado para aqueles que o amam", Paulo escreverá: "Mas Deus no-lo revelou pelo Espírito; porque o Espírito a todas as coisas perscruta, até mesmo as profundezas de Deus" (1 Coríntios 2:10).
Ter a mente de Cristo é descobrir, pelo Espírito Santo, o que Deus tem preparado para aqueles que se tornaram discípulos do mestre dos mestres. Deus não preparou para você uma vida de exaustão, de irritação, uma vida com os nervos à flor da pele. Deus não preparou para você uma vida intoxicada de preocupações com o passado - que chamamos de culpa-, ou uma vida intoxicada de preocupações com o futuro - que chamamos de ansiedade. Tampouco quer Deus que a sua mente exausta seja um lago lamacento, sem oxigênio e, consequentemente, sem vida e beleza. Deus nos oferece a passagem da mente exausta para a mente de Cristo e, quando essa passagem se dá, você descobre, no fundo desse lago, abundância de vida, de cores, de movimentos e correntes renova doras.
A passagem da mente exausta para a mente de Cristo não é a promessa de uma vida fácil, sem dificuldades e lutas que são próprias da existência humana. O próprio Jesus ensinou: "... no mundo, passais por aflições, mas tende bom ânimo, eu venci o mundo" Qoão 16:33). A pessoa que possui a mente de Cristo não vive numa realidade paralela, mas enxerga a realidade pela lente da fé no filho de Deus. Não significa que aquele que tem a mente de Cristo veja o que os outros não veem, ter a mente de Cristo é ver a mesma realidade de lutas e aflições, mas com outros olhos e, principalmente, com outra atitude.
O filósofo Dallas Willard (2001) observa que os cristãos modernos estão dispostos a aprender sobre a vida com qualquer pessoa, menos com Jesus. Ele afirma que perdemos o discernimento entre informação e sabedoria. Bem, agora que estamos com a mente exausta debaixo dos gigabytes e dos terabytes de informações, talvez estejamos dispostos a descobrir a vida sob a ótica do mestre Jesus de Nazaré.
Você está se sentindo exausto? Sente que não controla mais seus pensamentos? Está sob o efeito da intoxicação pensamentosa? Irritado, distraído, incomodado, desiludido, descarregado de força e esperança para viver e enfrentar os desafios do dia a dia? Aceite o convite do mestre dos mestres:
Vinde a mim, todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração; e achareis descanso para a vossa alma. Porque o meu jugo é suave, e o meu fardo é leve. (Mateus 11.28-30)
Aprenda a respeito de Jesus com ele mesmo. Assente-se aos pés dele como fez Maria em Betânia. Experimente colocar em prática o que ele ensina, como fizeram Pedro e os discípulos no Tiberíades que, exaustos depois uma noite de trabalho sem apanhar um só peixe, ouviram e obedeceram ao mestre quando ele lhes disse: "Lançai a rede à direita do barco e achareis". Ou talvez você ouça do mestre uma palavra de desafio, como aconteceu com o jovem rico: "Uma coisa ainda te falta: vende tudo o que tens, dá-o aos pobres e terás um tesouro nos céus; depois, vem e segue-me".
Aquilo que brotará na sua vida do relacionamento e do pro cesso de aprendizado com Jesus eu não sei, e provavelmente ninguém saiba, mas tenho certeza de que a formação da mente de Cristo na sua vida, além de tirá-lo da exaustão, revelará para você uma realidade que, nas palavras de Paulo, "nem olhos viram, nem ouvidos ouviram, nem jamais penetrou em coração humano o que Deus tem preparado para aqueles que o amam".
Este texto é o capítulo 1 do livro "Intoxicação Pensamentosa".
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